Quem é o culpado pelas alterações climáticas?
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Qual a relação entre o terramoto de 1755 e o tema contemporâneo das alterações climáticas


(pintura que retrata o terramoto de 1755)


O terramoto de 1755 foi, talvez, o pior desastre natural que aconteceu em Portugal que vitimou entre 10 mil e 70 mil pessoas. Outros desastres aconteceram e que ficaram na memória como as cheias de 1967 que causaram 700 mortes, ou o mais recente incêndio de Pedrógão de 2017 que vitimou 66 pessoas.

O terramoto de 1755

O terramoto de 1755 teve o seu epicentro no oceano atlântico e dividiu-se em três fases. Primeiro, o impacto do movimento tectónico destruiu muitas construções principalmente em Lisboa. Segundo, ocorreu numa altura em que muitos habitantes se encontravam no interior das igrejas a celebrar uma missa. Como nessa altura era hábito deixar velas acesas em casa o terramoto acabou por fazer com que este velho hábito originasse inúmeros incêndios o que potenciou o número de mortes e aumentou o caos.

Mas o cenário de devastação não acabou aqui. A seguir ao terramoto seguiu-se um tsunami (terceira fase) que engoliu a zona ribeirinha de Lisboa. Ondas de 30m de altura galgaram pelas encostas acima. Como é natural, a seguir a um terramoto com epicentro no mar segue-se um tsunami (onda de grandes dimensões) provocado pelo movimento das placas tectónicas na massa de água. Este episódio dantesco ficou marcado na história portuguesa e foi retratado em inúmeros textos e pinturas de diferentes países.

O terramoto de 1755 foi culpa do homem, um castigo divino?

Porque é que vale a pena recordar o terramoto de 1755? Porque nessa altura a civilização ainda não possuia conhecimentos científicos suficientes que pudessem compreender totalmente o fenómeno dos terramotos e dos tsunamis. Esta falta de informação fez com que rapidamente se caísse na tentação de procurar uma explicação supersticiosa para o desastre. Surgiram logo correntes religiosas e filosóficas que atribuíram ao homem a culpa do terramoto de 1755 - foi o castigo divino de Deus.

E como o desastre ocorreu precisamente a 1 de novembro de 1755, ou seja o dia de todos os santos, não podia ter sido escolhida melhor altura por uma entidade divina superior para decidir castigar o ser humano, principalmente numa altura em que se vivia o período das trevas com a Inquisição. Aqui fica um texto bem elucidativo do que aconteceu na altura:

"A referência a Sebastião José de Carvalho e Mello era, sem grande esforço, perceptível. Perante as proporções das consequências do terramoto de 1755, seria natural que a discussão surgisse, apaixonante e apaixonada, sob o signo da lógica religiosa e da razão; daí a observação de Pedro de Aucourt e Padilha, em 'Effeitos raros e formidaveis dos quatro elementos' (1756), ao mencionar haver logo presenciado “tão grandes disputas entre pessoas sadias, sobre ser expresso castigo de Deus ou natural effeito das causas segundas. A elaboração teórica da física mecânica progredia, mas continuava a pesar no pensamento teológico a opinião de S. Tomás de Aquino segundo a qual a causa primeira do terramoto é Deus e só secundariamente se pode atribuir ao jogo subterrâneo. Debate este que, para Barbier, era “embaraçoso para os professores de física, humilhante para os filósofos”. Por isso, o predomínio nas mentalidades do sobrenatural e a lenta produção do pensamento racional deram lugar, no país e no estrangeiro, a textos variadíssimos de carácter religioso, filosófico e físico-naturalista, incidentes na ira divina a castigar a maldade dos homens e o comportamento do clero indigno e as explicações possíveis adiantadas pela física do tempo. Assim, enquanto Bento Morganti atribuía o tremor de terra a “uma erupção violenta do ar e fogo do centro para a circunferencia”, Miguel Tibério Pedagache dividia-se entre o reconhecimento da intervenção de causas naturais e a manifestação da ira celeste. Por seu lado, Joaquim José Moreira de Mendonça, autor da Historia Universal dos Terramotos, decidia-se por aceitar que não havia conexão física e teológica, embora a misericórdia de Deus pudesse ter intervido, para que o desastre não fosse mais grave. Reconheciam alguns que certos crimes particulares tivessem sido punidos no sismo de 1755. O francês P. Rondet (1717-1765) via no terremoto de 1531 um castigo divino em virtude de D. João III ter chamado os jesuítas para acturarem no país; e o Cavaleiro de Oliveira, Francisco Xavier de Oliveira, no 'Discours Pathétique au sujet des Calamités présentes arrivées au Portugal' (1756), insinua que Deus deixou de proteger Lisboa porque o reino criara três monstros: a idolatria do povo no culto dos santos, a proibição da leitura da Bíblia em língua vulgar e a perseguição do Santo Ofício aos judeus. Quanto às causas morais relacionadas com a punição divina por meio dos tremores de terra, provados pela história, Sagrada Escritura, Santos Padres e teólogos, segundo o franciscano Fr. Francisco de Santo Alberto, em 'Estragos do Terremoto Vatecinio de Felicidades' (1757), “não só a cada um dos pecadores, mas a cada Reyno, a cada Provincia, e a cada Cidade tem Deus determinado um certo numero de pecados”, e quando o numero destes “se completa não ha mais que sentir o desamparo de Deus” (p. 46). No panorama europeu, Goethe, Kant, Voltaire, Rousseau, Diderot, Feijoo, Wesley pronunciaram-se, de forma diversa, sobre as causas da catástrofe da capital portuguesa. Antes, Leibnitz sustentava numa linha optimista que o mundo criado era o melhor dos possíveis e os males faziam dele parte. Voltaire, impressionado pela extensão trágica do cataclismo, no 'Poème sur le désastre de Lisbonne' (1756), lavra a sua revolta ante a injustiça que representou a punição indiscriminada de inocentes e pecadores e, em 'Candide ou l’optimisme' (1759), satiriza Leibniz, evocando os alucinantes cenários de dor e destruição. E, se Jean-Jacques Rousseau, ao responder a Voltaire em 'Lettre sur la Providence' (1756), atribui aos erros humanos a corrupção da harmonia do mundo criado, pois se os habitantes de Lisboa se tivessem dispersado no espaço urbano mais uniformemente e as habitações fossem menos pesadas, os estragos teriam sido muito menores ou até mínimos, já Kant, refugia- se numa explicação cientifica, e intencionalmente não filosófica, porque complexa e subjectiva."
(in A acção da Igreja no terramoto de Lisboa de 1755, de João Francisco Marques)

A teoria do castigo divino acaba por colocar, de forma errada, o homem no centro do universo. Felizmente que outras correntes surgiram logo para contrariar a teoria do castigo divino. Professores de física procuraram encontrar na razão a explicação para o fenómeno. Felizmente que depois do desastre Marquês de Pombal resistiu à tentação das superstições e, para a reconstrução da cidade de Lisboa, colocou a ciência ao serviço do homem e criou a gaiola pombalina, uma estrutura de madeira integrada na construção capaz de absorver os movimentos dos sismos.



(gaiola pombalina, símbolo do iluminismo e da ciência)


E em pleno séc. XXI, surge novamente a corrente do castigo divino com a teoria das alterações climáticas?

Em pleno séc. XXI com o teoria das alterações climáticas surge novamente o fantasma do castigo divino que coloca outra vez o homem no centro do universo, uma vez que esta teoria atribui exclusivamente ao homem as causas de fenómenos naturais extremos.

A propósito deste assunto aqui fica um excelente artigo de Henrique Monteiro no Expresso de 15 Junho 2019 com o título "O pensamento mágico do castigo da humanidade na crise climática" - Link. Pequeno trecho:

"No entanto, contrariar a agenda climática transformou-se hoje numa heresia a que políticos e académicos arrogantes respondem com a sobranceria de dogmas, tal como na Idade Média. E as propostas climáticas que avançam são baseadas nas permissas falsas do pensamento mágico."

Conclusão: o pensamento dominante após o terramoto de 1755 referia que o desastre terá sido um castigo de Deus pelos pecados cometidos pelo homem e hoje o pensamento dominante refere que as alterações climáticas são uma consequência das acções do homem no que toca à poluição ambiental.

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